Além daquele sofá... : É isso ai

2 de fevereiro de 2013


É isso ai

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Não nasci para ser amada. Eu nasci para amar o amor dos outros, para escrever a história que eu gostaria que fosse minha, e para compartilhar meu vazio, minha solidão, meu cansaço de ser eu mesma – essa coisa podre, ressecada, pegajosa. Não foi o que eu sonhei pra mim, mas e aí? Quando pequena eu me olhava no espelho e já me imaginava de véu e grinalda, em uma igreja grande, vestindo um branco puro, carregando um buque de rosas brancas, transparecendo leveza e alegria, tão contente tão brilhante, radiante, com um príncipe a minha espera. Tolinha. Eu já prometi que minha filha – se eu tiver alguma – não vai assistir essas porcarias e nem vai ousar  dar ouvidos pros conselhos femininos idiotas de ‘ele te ama, mas tem medo da relação’. Se amasse não teria medo, se amasse lutaria pelo relacionamento, se amasse não deixaria o tempo esmagar todo sentimento. Além de não ter nascido pra ser amada eu não nasci pra acreditar nessas mentiras que as mulheres contam para confortar as outras.

Alguém tem que ser assim como eu, não é de todo mal. Não? Não. Alguém tem que saber que tem alguém numa pior, alguém tem que ter um pior pra olhar para o lado e ver que não está tão ruim assim, pois então, é esse meu papel no mundo. Eu sou esse ‘lado’, esse zero na esquerda, que faz sutilmente uma diferença, que deixa a marca, mas não deixa nada, não ferra, não arde, não penetra. Fica sempre na superfície, na porta de entrada, no umbral da janela, observando a felicidade alheia, sem manifestar choro nem riso, existe apenas – existe e escreve pra não pensar que é tão maluca.

Eu não nasci pra viver um conto de fadas, não nasci pra deixar o telefone tocando dez vezes até sentir a boa vontade de atender e me dar por satisfeita. Eu atendo na primeira tentativa, e não finjo indiferença, eu me entrego, eu sorrio, eu transbordo felicidade, gozo e rio na voz. E se ser verdadeira como sou não funciona, não sei ser fingida. Não aprendi a jogar com o amor. Não sei, quando as garotas aprendem a fazer essas conquistas tolas e devia estar entretida com algum conto de fadas, ou quem sabe interessada demais em algum livro, porque eu sou toda feita de memórias de páginas e minhas memórias se confundem com as dos romances que eu li certa vez.

Algumas meninas abarrotam o armário de sapatos, maquiagem, brincos, colares e vestidos. Já eu? Eu não. Não faço questão. Eu coleciono livros. Sim, minhas prateleiras são todas inundadas de romances, guias, dicionários, uns pares de tênis encardidos, uns brincos de pérola, e umas camisas. Não tenho roupa especial pra ocasião especial. Todo dia é dia de roupa nova e não guardo nada para nada. Sou igual na balada, no shopping, no trabalho, na faculdade. Penso que tanto faz, já que ninguém me enxerga, então que seja assim, que eu seja eu. Sou sempre a garota de olhar fundo, perdido e com os cílios entupidos de rímel pra disfarçar a profundeza do mar de lágrimas. Confusa no meio da multidão, acompanhada da solidão a mil, acompanhada da falta, dom vazio e do desamparo tão visível nos meus olhos.

Eu sou a otária, aquela feiosinha que fica sentada em uma cadeira dura esperando eternamente ser chamada pra dançar, a palhaça que aguarda o telefone tocar – sem sucesso -, que chorar vendo filme enquanto entupindo de brigadeiro – e que não sabe se chora pelas calorias ou pelo drama da telinha -, que entorna um litro de vodka pra esquecer a existência solitária – que já não sabe se sai de casa pra se divertir ou pra se anestesiar das dores do mundo. Virei isso, toma.
                       
                                                                                                              Marcella Prado

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