Não nasci para ser amada. Eu nasci para amar o amor
dos outros, para escrever a história que eu gostaria que fosse minha, e para
compartilhar meu vazio, minha solidão, meu cansaço de ser eu mesma – essa coisa
podre, ressecada, pegajosa. Não foi o que eu sonhei pra mim, mas e aí? Quando
pequena eu me olhava no espelho e já me imaginava de véu e grinalda, em uma
igreja grande, vestindo um branco puro, carregando um buque de rosas brancas,
transparecendo leveza e alegria, tão contente tão brilhante, radiante, com um
príncipe a minha espera. Tolinha. Eu já prometi que minha filha – se eu tiver
alguma – não vai assistir essas porcarias e nem vai ousar dar
ouvidos pros conselhos femininos idiotas de ‘ele te ama, mas tem medo da
relação’. Se amasse não teria medo, se amasse lutaria pelo relacionamento, se
amasse não deixaria o tempo esmagar todo sentimento. Além de não ter nascido
pra ser amada eu não nasci pra acreditar nessas mentiras que as mulheres contam
para confortar as outras.
Alguém tem que ser assim como eu, não é de todo
mal. Não? Não. Alguém tem que saber que tem alguém numa pior, alguém tem que
ter um pior pra olhar para o lado e ver que não está tão ruim assim, pois
então, é esse meu papel no mundo. Eu sou esse ‘lado’, esse zero na esquerda,
que faz sutilmente uma diferença, que deixa a marca, mas não deixa nada, não
ferra, não arde, não penetra. Fica sempre na superfície, na porta de entrada,
no umbral da janela, observando a felicidade alheia, sem manifestar choro nem riso,
existe apenas – existe e escreve pra não pensar que é tão maluca.
Eu não nasci pra viver um conto de fadas, não nasci
pra deixar o telefone tocando dez vezes até sentir a boa vontade de atender e
me dar por satisfeita. Eu atendo na primeira tentativa, e não finjo
indiferença, eu me entrego, eu sorrio, eu transbordo felicidade, gozo e rio na
voz. E se ser verdadeira como sou não funciona, não sei ser fingida. Não
aprendi a jogar com o amor. Não sei, quando as garotas aprendem a fazer essas
conquistas tolas e devia estar entretida com algum conto de fadas, ou quem sabe
interessada demais em algum livro, porque eu sou toda feita de memórias de
páginas e minhas memórias se confundem com as dos romances que eu li certa vez.
Algumas meninas abarrotam o armário de sapatos,
maquiagem, brincos, colares e vestidos. Já eu? Eu não. Não faço questão. Eu
coleciono livros. Sim, minhas prateleiras são todas inundadas de romances,
guias, dicionários, uns pares de tênis encardidos, uns brincos de pérola, e
umas camisas. Não tenho roupa especial pra ocasião especial. Todo dia é dia de
roupa nova e não guardo nada para nada. Sou igual na balada, no shopping, no
trabalho, na faculdade. Penso que tanto faz, já que ninguém me enxerga, então
que seja assim, que eu seja eu. Sou sempre a garota de olhar fundo, perdido e
com os cílios entupidos de rímel pra disfarçar a profundeza do mar de lágrimas.
Confusa no meio da multidão, acompanhada da solidão a mil, acompanhada da
falta, dom vazio e do desamparo tão visível nos meus olhos.
Eu sou a otária, aquela feiosinha que fica sentada
em uma cadeira dura esperando eternamente ser chamada pra dançar, a palhaça que
aguarda o telefone tocar – sem sucesso -, que chorar vendo filme enquanto
entupindo de brigadeiro – e que não sabe se chora pelas calorias ou pelo drama
da telinha -, que entorna um litro de vodka pra esquecer a existência solitária
– que já não sabe se sai de casa pra se divertir ou pra se anestesiar das dores
do mundo. Virei isso, toma.
Marcella Prado